Um pequeno município do Oeste catarinense hoje leva muito mais significado no nome do que um ano atrás. Saudades, com pouco mais de 9,8 mil habitantes, transmite um sentimento de ausência, tristeza e, literalmente, saudade, não só aos moradores que ali vivem, mas também pelo Brasil.
Há exatamente um ano, Saudades ficou conhecida por uma tragédia que assolou a região. Na manhã do dia quatro de maio de 2021, em uma creche localizada no bairro Industrial, Fabiano Kipper Mai, hoje com 19 anos, tirou a vida de cinco pessoas, entre elas, três crianças pequenas que não tinham condições alguma de defesa. As outras duas vítimas eram profissionais, que cumpriam horário de trabalho no local e não conseguiram se defender da adaga usava pelo jovem.
Uma das vítimas de Fabiano foi a professora Keli Adriane Aniecevski, de 31 anos. Algo bastante curioso sobre o caso, é que José Anieckevski, pai de Keli, era amigo de Mário Mai, pai do rapaz. Ambos se encontravam aos sábados para jogar bocha, segundo o que foi divulgado pelo Uol Tab no ano passado. Diferente dos pais, o autor do crime e a vítima não se conheciam.
Mário Mai contou em uma entrevista rápida ao Uol Tab, que o filho nunca mostrou agressividade e que era um menino bastante prestativo. Além disso, relatou que Fabiano costumava sofrer bullying na escola que frequentava na cidade.
O pai de Keli postou uma homenagem para ela no dia 3 de janeiro deste ano, nas redes sociais, no dia do aniversário de 31 anos da filha.
“Hoje estaria completando 31 anos de vida minha filha Keli uma pessoa realizada cheio de sonhos feliz mas a vida é uma caixinha de supressa me perguntou qual o motivo de tirar uma pessoa deste jeito sem motivo nem o a conhecia o porque espero que justiça seja feita se não for na terra quem sabe externamente saudade”, José Aniecevski.
Junto com Keli, morreram também a agente educacional Mirla Renner, de 20 anos, Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses, Anna Bela Fernandes de Barros, de 1 ano e 8, e Murilo Massing, de 1 ano e 9 meses.
Claudia Mahle Sehn, mãe da pequena Sarah Luiza, a mais nova das vítimas, fez um post bastante emocionante no Dia das Mães em seu Facebook pessoal.
“É neste dia, onde que em meio a tantas palavras ouço a palavra guerreira, mas neste momento é que me sinto mais impotente. Neste dia me sinto incompleta pois gostaria que minha filha tivesse a mesma oportunidade que tive de lutar… Hoje neste dia gostaria que muitas mulheres iguais a mim não estivessem sofrendo, se sentindo incompletas. Neste dia gostaria que muitas mulheres tivessem a oportunidade de ser mulher, mulheres que hoje sofrem nas mãos de seus esposos, mulheres que sofrem pelos atos de seus filhos, mulheres que esquecem de viver… O dia 08 indiferente o mês sempre será um dia especial para mim, pois foi neste dia onde que muitas mulheres perderam suas vidas por querer ser mulher, conquistar seus direitos, eu tive a graça de ser mãe e me tornar a mulher mais completa possível. Hoje a saudade dói e muito em saber que a mulher que nasceu de mim teve sua vida interrompida brutalmente”.
Um sobrevivente
No Dia das Mães do ano passado, a costureira Adriana Hubler recebeu o maior presente que podia imaginar ganhar. Ela conseguiu levar o filho Henryque para casa.
O menino Henryque Hubler, hoje com dois anos de idade, foi uma vítima sobrevivente da tragédia. Ele foi socorrido por uma professora que mora ao lado da creche, e levado ao hospital do município com ferimentos graves pelo corpo.
A criança foi atingida na bochecha, no lábio, barriga, e também teve uma perfuração em um dos pulmões. Por conta do grave quadro clínico, Henryque foi transferido ao Hospital da Criança, de Chapecó, ficando internado por seis dias.
Ao retornar para casa, o menino foi aplaudido e recebido com festa, com direito a música, orações e decoração para as “boas-vindas”.
Cidade ainda enlutada
Marilu Kohls do Amaral tem 43 anos e trabalha como enfermeira no hospital de Saudades há 15 anos. Ela auxiliou no atendimento de três vítimas da tragédia.
Segundo relato dela ao Oeste Mais, o aluno Murilo e a agente Mirla chegaram com vida a unidade, mas após darem entrada, faleceram. “Foram feitas manobras de reanimação, tentativas de estancar sangramento, mas infelizmente não teve o que fazer”, conta.
Marilu ainda relatou que ninguém sabia do acontecido na creche até a chegada das vítimas. Ela disse que conhecia apenas de vista a família e o próprio Fabiano Kipper Mai.
“Foi bastante comovente, mais ainda pela forma como aconteceu. A cidade levou tempo para melhorar da tristeza, hoje em dia a população consegue falar sobre o assunto, mas ainda existe a memória daquele dia” diz a enfermeira.
Nesta manhã de quarta-feira, dia 4, moradores da cidade e familiares fizeram um momento de oração em frente ao portão de acesso à creche Pró-Infância Aquarela. Eles também soltaram cinco balões brancos que representavam as vítimas da tragédia.
A escola infantil passou por uma reforma durante os últimos meses. A sala onde ocorreu o atentado foi toda modificada e transformada em parque infantil e, a fachada, recebeu uma pintura nova.
Autor ainda não foi julgado
Mesmo depois de um ano da chacina que realizou na creche em Saudades, Fabiano Kipper não foi julgado. Ele é denunciado pelo Ministério Público por 19 crimes de homicídio, entre consumados e tentados, que ocorreu no dia 4 de maio do ano passado. Ele permanece detido desde a época dos fatos, no presídio de Chapecó.
O laudo pericial oficial, realizado pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), concluiu que Fabiano é acometido por transtorno psicótico denominado “esquizofrenia do tipo indiferenciada”, mas, na época em que ocorreu o crime, era imputável, pois os sintomas da doença não afetaram sua capacidade de entendimento e determinação para cometer a crueldade.
Ocorre que foram juntados aos autos dois outros exames de sanidade mental do jovem, com conclusões distintas. Um deles, realizado a pedido da defesa por um psiquiatra forense de São Paulo, diagnosticou “esquizofrenia paranoide em comorbidade com dependência de jogo pela internet”, o que aponta para sua inimputabilidade, fator que o impediria de ter que enfrentar o Tribunal do Júri.
Outro, elaborado sob encomenda do Ministério Público, ainda que sustente um possível diagnóstico de “síndrome deficitária (possível retardo mental leve) atrelado a um transtorno de personalidade”, garante que o rapaz pode sim ser julgado.
Tentou tirar a própria vida
Matar o máximo de pessoas possíveis não era apenas a vontade de Fabiano. Além de tirar as cinco vidas inocentes, ele ainda tentou contra a própria para não ser responsabilizado depois, desferindo contra si mesmo vários golpes de adaga.
Ele foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e encaminhado ao hospital de Pinhalzinho, mas devido ao grave estado de saúde, foi transferido para o Hospital Regional do Oeste (HRO), em Chapecó, onde permaneceu por oito dias hospitalizado.
Após a alta, Fabiano foi escoltado ao Presídio de Chapecó em uma van, com as mãos algemadas e com roupa de presidiário.
Fonte: Oeste Mais
