O desembargador Jorge Luiz Borba, investigado por manter uma mulher surda em condição análoga à escravidão em Santa Catarina, vai ter que comprovar que há afetividade entre eles e uma relação de paternidade estável e socialmente conhecida para conseguir reconhecê-la como filha.
Ele declarou, no domingo (11), que vai entrar com pedido judicial para “regularizarem situação familiar, de fato há muito já existente“
O anúncio, assinado por ele, esposa e filhos, ocorre cinco dias após operação que apura indícios de “prática criminosa” por causa de relatos de “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”. A ação ocorreu em 6 de junho, em Florianópolis.
Especialista em família e sucessões, a advogada Mariane Bosa explica que a afetividade pode ser demonstrada através de documentos, fotografias em celebrações relevantes ou declaração de testemunhas com firma reconhecida, conforme artigo 10-A §2º do Provimento 63 (incluído pelo Provimento 83/2019).
Além disso, segundo a advogada, a paternidade ou maternidade afetiva deve ser estável e exteriorizada socialmente.
O pedido de reconhecimento pode ser feito extrajudicialmente, através do Registro Civil, conforme regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, ou judicialmente.
Os casos extrajudiciais são iniciados em cartório e submetidos a parecer do Ministério Público. Eles ocorrem apenas com o consentimento dos pais biológicos e a conclusão acontece depois de manifestação favorável do MP.
Já os judiciais, segundo a especialistas, ocorrem quando os filhos afetivos são menores de 12 anos, maiores de idade, porém incapazes, ou em suspeita de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida.
“Além disso, se a ideia é o reconhecimento de pai e mãe socioafetivos de forma conjunta tem que ser pela via judicial”, esclarece.
Segundo Mariane, quando o reconhecimento é concluído,todos os direitos sucessórios são garantidos ao filho afetivo, que se torna herdeiro legítimo dos seus ascendentes.
Relembre
O Ministério Público Federal (MPF) informou que a ação na casa do desembargador Jorge Luiz Borba, no dia 6 de junho, foi motivada por uma investigação que apura “indícios da prática criminosa” após relatos de “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”.
Conforme as investigações, o casal teria mantido na casa, há pelo menos 20 anos, uma mulher que realiza tarefas domésticas das mais diversas, mas não possui registro em carteira de trabalho e não recebe salário ou quaisquer vantagens trabalhistas.
Também, de acordo com o MPF, a mulher tem deficiência auditiva, nunca teve instrução formal e não possui o convívio social resguardado.
O que dizem desembargador e esposa
Jorge Luiz de Borba, Ana Cristina Gayotto de Borba e seus quatro filhos, Maria Leonor, Maria Alice, Maria Julia e Jorge Luiz, diante da ampla disseminação de notícias sobre operação ocorrida na sua residência, vêm a público esclarecer o seguinte:
Surpreendidos pelo difundido sugestionamento de que estariam a dispensar tratamento análogo à escravidão a S., pessoa com quem convivem há anos, definitivamente jamais praticaram ou tolerariam que fosse praticada tal conduta deletéria, ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família;
Na intenção de regularizarem situação familiar, de fato há muito já existente, anunciam que Jorge e Ana Cristina ingressarão com pedido judicial para reconhecimento da filiação afetiva de S., garantindo-lhe, inclusive, todos os direitos hereditários;
Acatarão todas as sugestões emanadas do poder público, além das que a família já tem adotado ao longo da vida, para beneficiar o desenvolvimento de S.;
Pretendem colaborar com todas as instâncias administrativas e judiciais, seja para que não remanesçam dúvidas sobre a situação de fato existente em relação a S., seja para que as investigações avancem com brevidade a fim de permitir a retomada da convivência familiar.